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  • Foto do escritorFernando H. C. Leitão

O embargo administrativo de propriedades rurais.


Certamente uma das medidas mais danosas à economia e que causam mais impactos aos produtores rurais é o embargo administrativo da propriedade rural, medida imediata, extrema e que se manifesta como “poder de polícia” dos órgãos fiscais ambientais diante de alguma suposta infração administrativa que cause “dano ambiental”, mas que vem diuturnamente aplicada de forma abusiva, equivocada e ilegal. A noção de “poder de polícia” vem prevista na legislação nacional no já tradicional artigo 78 do Código tributário Nacional – CTN que, em suma, permite à Administração Pública limitar o exercício dos interesses individuais em favor de um suposto interesse público, da coletividade ou do próprio Estado, condicionando e restringindo o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais.

Todavia, muitíssimos embargos administrativos em áreas rurais aplicados pelos órgãos fiscalizadores são ilegais são decorrentes de uma interpretação absolutamente errada da legislação ambiental, às vezes por falta de conhecimento e às vezes por deliberada motivação político-ideológica.

Os embargos administrativos aplicados às propriedades rurais se baseiam, sobretudo, nos limites e características artigo 108 do Decreto Federal n. 6.514/2008 (além de algumas noções preliminares nos artigos 14 a 18 do mesmo diploma). Ainda que haja previsão legal da sanção de embargo na Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas (9.605/1998), sua instrumentalização e casos de aplicação foram delimitados pelo citado decreto, que, por sua vez, substituíra o revogado Decreto Federal nº. 3.179/1999.

E em quais casos seriam aplicáveis os embargos legalmente previstos no artigo 72, VII, da Lei nº. 9.605/1998 conforme os ditames do artigo 108 do Decreto Federal nº. 6.5141/2008?

Em tese “o embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas tem por objetivo impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada” (teor do citado art. 108). Claro que tal conceito legal deve-se se restringir às áreas em que supostamente ocorreram os danos, porém, o principal aqui é ignorado na hora de aplicações de multas e embargos aos proprietários rurais: o embargo deve se restringir apenas às áreas em que o dano ambiental será, ainda que em perspectiva, reparado e o perímetro não mais será usado para plantio ou pecuária.

Isso implica em conclusão lógica que áreas, por exemplo, desmatadas sem licença, mas que se localizam em setores da propriedade rural destinados ao uso agropecuário não devem ser embargadas. É claro que a impossibilidade legal de embargar uma área desmatada que não será recuperada não elide, ou seja, não afasta a ocorrência da infração administrativa, mas cuja única sanção possível será a aplicação da multa simples, jamais de embargo.

Assim é que, às vistas grossas dos agentes ambientais, dos chefes administrativos e dos órgãos de fiscalização (quer sejam os federais ou os estaduais), rotineiramente embargam as áreas que não serão objeto de reparação, e por isso não deveriam ser embargadas.

Em suma, dentro de uma propriedade rural que não padeça de outros regimes de restrição legal como as previstas pela Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (9.985/2000) existem duas espécies, “grosso modo”, de áreas: as que “nunca” poderão ser utilizadas com fins econômicos (excluindo-se a realização de manejo florestal e outras atividades compatíveis com o regime de restrição) e as que poderão ser utilizadas pelo proprietário.

De forma genérica para fins didáticos, indicam-se entre as primeiras – as que “nunca” serão usadas – áreas de reserva legal – ARL e áreas de preservação permanente – APP; já as segundas, as que poderão ser utilizadas, as áreas de uso alternativo do solo – AUAS (áreas destinadas à pastagem e ao plantio, sobretudo), que se encontram por exclusão em relação às primeiras, podendo, no Brasil, as áreas destinadas ao uso econômico variarem de um percentual de 20% da propriedade passível de uso nos biomas floresta localizados na Amazônia Legal (na qual está inserido Mato Grosso), 65% para as áreas de bioma cerrado e 80% nos demais territórios, inclusive Mata Atlântica.

Assim é que nas propriedades em Mato Grosso cujo bioma seja o de floresta (conforme indicações do mapeamento realizado pelo Projeto RadamBrasil), apenas 20% da área pode ser utilizada ´para fins agropecuários, e 80% destinado à preservação. Seria como se o leitor, na sua casa de dez cômodos, pudesse usar apenas dois, deixando os demais ao Estado.

Tal digressão acerca de biomas, percentuais de uso permitido pela lei atualmente vigente, ARL-APP e AUAS têm direta influência na aplicação legítima do embargo administrativo quanto aos desmates sem licença ambiental, que só poderiam ocorrer legalmente em áreas cuja reparação ambiental fosse certeiramente obrigatória.

Isso implica que os desmates ocorridos em áreas de uso alternativo do solo – AUAS são ilegais por desrespeitarem por completo a legislação existente que determina que o embargo tem a exclusiva finalidade de “impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada”.

Ora, nesse contexto as áreas de mata suprimidas que não serão objeto de recuperação e regeneração não podem e não devem ser embargadas, não isentando o proprietário de regularizar estas áreas perante o órgão licenciador (Secretaria de Estado do Meio ambiente -SEMA ou instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, conforme divisão de atribuições especificadas na Lei Complementar Federal nº. 140/2011) e arcar, quando for o caso, com a multa por desmatamento sem licença e demais conseqüências como a reposição florestal.

No presente texto não se poderá analisar a complexa questão da sucessão de leis no tempo, que alteraram constantemente os limites percentuais de uso ou preservação das propriedades rurais e, ainda, direitos adquiridos perante registros de ARL-APP nas matrículas, ou consolidação das áreas rurais, ou casos de regeneração, ou a reposição florestal etc., o que será analisado em outro momento.

Mesma sorte de não ser perscrutada agora é a questão da aplicabilidade de leis e diplomas federais às autuações de órgãos estaduais, como absurdamente tem feito a SEMA-MT, usando diploma exclusivamente federal como o Decreto Federal nº. 6.514/2008 para fundamentar, de forma mais teratológica, a descrição (tipificação) das infrações ambientais aos cidadãos de Mato Grosso.

Assim é que se passou da hora de desmistificar a aplicação ilegal do Embargo de Área ou Atividade como aplicável a todo e qualquer desmate sem autorização, por exemplo, posto que este somente é legalmente permitido para uso de forma liminar e imediata como poder de polícia às áreas cuja administração tenha absoluta convicção de que são áreas que deverão ser recuperadas, não se aplicando às áreas que o proprietário poderá utilizar, ou já utiliza, como área de pasto ou plantio.

O Direito Ambiental surgiu e tem ganhado corpo baseado não na proteção ao meio ambiente, mas sim na intervenção ideológica na propriedade privada e na livre iniciativa, como veremos em momento oportuno. Por tal razão é que tanto os órgãos fiscalizadores como alguns juízes fazem vistas grossas à ilegalidade da aplicação de Embargo administrativo às áreas rurais que não serão nem regeneradas, nem recuperadas, mas permanecerão como AUAS, seja para plantio ou pecuária.

Por fim, anote-se que caso as áreas embargadas indevidamente continuem em uso pelo proprietário, este ainda corre risco de receber novas multas, uma calculada em R$ 5.000,00 por hectare e outra que varia de R$ 10.000,00 a R$ 1.000.000,00, deixando os produtores em uma situação de insegurança jurídica e manietando quem trabalha dia e noite, sem férias, para produzir e levar Mato Grosso adiante.




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